segunda-feira, 10 de abril de 2023

Produtores rurais relatam situação de alerta diante de disparada nas invasões de terras no país

 


No primeiro final de semana de abril, a invasão de um engenho desativado na cidade de Cumbre, em Pernambuco, deu início às ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) durante o chamado Abril Vermelho – uma referência ao massacre de Eldorado dos Carajás (PA), em 1996. 

Trata-se da 17ª ocupação de propriedade rural este ano no país. Com isso, em quatro meses do novo mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, a quantidade dessas ocorrências já equivale a quase um terço (27%) do total de registros somados nos quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro (62).

Na comparação anual, as 17 invasões em quatro meses de 2023 superam o dado fechado de 2019 (11), 2020 (11) e igualam o quantitativo de 2021 (17). A ofensiva dos sem-terra pressiona o Palácio do Planalto, uma vez que o governo fica entre aliados tradicionais e o agronegócio, setor com força econômica e política, alinhado ao bolsonarismo e representado por uma numerosa bancada no Congresso, onde Lula ainda precisa construir base estável para aprovar seus projetos.

A agenda do MST reivindica a criação de cadastro único e cronograma de atendimentos para cerca de 100 mil famílias que vivem acampadas em todo o Brasil. Também cobra por uma resolução para as 30 mil famílias que estão, agora, em áreas de pré-assentamento.

No RS, existem 345 assentamentos criados ou reconhecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que abrigam 12.186 famílias. Santana do Livramento é o município com maior número: são 30 projetos, onde vivem 868 famílias. O assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, é o de maior área, com 9,5 mil hectares e 364 famílias.

Permissividade
Em um dos lados da disputa, os produtores rurais gaúchos defendem que a maior incidência de invasões nos primeiros meses de 2023 denota maior permissividade do governo e coloca a classe em estado de alerta. É o que diz, por exemplo, Paulo Ricardo Dias, coordenador da Comissão de Assuntos Fundiários e Segurança Rural da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).

Mesmo com apenas duas ocorrências entre 2019 e 2023 (nenhuma neste ano), no Estado a preocupação com eventuais ações dos movimentos gerou a reformulação das comissões temáticas e a implantação de um sistema de comunicação integrado. A meta, revela o dirigente, é possibilitar troca de informações instantâneas sobre movimentações e canais facilitados com as forças de segurança. Para Dias, todos os assentamentos do Estado são um foco em potencial a ser monitorado.

— O primeiro temor é que esse tipo de manifestação e invasão é acompanhada de muita violência. Esse é um período em que os produtores e as famílias estão mais presentes nas propriedades em razão da colheita do arroz — comenta o coordenador.

o tecer críticas ao plano nacional de reforma agrária, que, segundo ele, não atingiu os resultados econômicos e sociais desejados, o dirigente afirma que a maioria das pessoas assentadas “não tem vocação” agrícola.

— Há aqueles que têm, conversamos com esses que já obtiveram seus títulos e os apoiamos através de iniciativas do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), mas invasão alguma será tolerada — afirma.
Acordo

Procurado, o braço do MST no Rio Grande do Sul não atendeu às solicitações de GZH. O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Carlos Joel da Silva, não apoia as ocupações no campo promovidas pelo MST, mas avalia que a situação no Estado é “mais tranquila” do que em outras regiões do país.

A entidade assinou em 2021 um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) para a execução de atividades de apoio administrativo ao Incra. A partir de então, assumiu a função de encaminhar os Contratos de Concessão de Uso (CCUs) das propriedades destinadas aos assentamentos federais e também os Créditos Instalação, emitidos pelo Incra, aos assentados gaúchos.

— Somos contra invasões, mas defendemos que todo agricultor, cujo maior sonho é ter um pedaço de terra, seja tratado com dignidade. Essas pessoas não deveriam ter de ir para debaixo de uma lona preta lutar por um direito, porque a lei é clara e toda área improdutiva tem que servir de base para a reforma agrária — argumenta Silva, que diz identificar “omissão” de todos os governos ao não criarem as condições ideais de acesso às terras.

Uso de força policial gera divergências
No fogo cruzado, o novo presidente do Incra, Cesar Aldrighi, que já atuava de maneira interina, foi nomeado em 23 de março. O gaúcho, com formação em engenharia agronômica pela Universidade Federal de Pelotas, é perito federal agrário e servidor de carreira do instituto desde 2006.

Em uma live na quinta-feira (6), antecipou que, junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Presidência da República, deverá anunciar, ainda este mês, o plano emergencial de reforma agrária. Ele explica que a ideia é implementar várias medidas, muitas delas alinhadas com a agenda de reivindicações dos movimentos pela reforma agrária.
Para ele, a prioridade é recompor o orçamento (que já foi de R$ 4,8 bilhões em 2010, no segundo mandato de Lula, e hoje conta com R$ 270 milhões). Isso é necessário para retomar os assentamentos no campo, descontinuados pela gestão passada, lembra.

Para se ter uma ideia, dos 345 assentamentos do Rio Grande do Sul, 193 são federais e servem de moradia e sustento para 8.173 famílias. Outros 142 são estaduais (3.706 famílias) e dois municipais (21 famílias). Há ainda oito reassentamentos de comunidades rurais atingidas por barragens (286 famílias).  O projeto federal mais recente foi criado sete anos atrás, em 2016. Trata-se do PA Herdeiros da Resistência, que fica no município de Pelotas.
Conflitos

Sobre o Abril Vermelho e os conflitos fundiários, Aldrighi afirma que o Incra tem de cumprir a função de ouvidoria e mediação.
–  Não vamos tratar aqui os conflitos com força policial. Os conflitos são recebidos pela ouvidoria do Incra e do MDA e tratados dentro de um diálogo com as forças policiais e com o Judiciário. Ao Incra cabe obter a terra e dialogar com esse conflito.  O Incra não fez isso (nos últimos anos).Quando você se omite de sua tarefa constitucional, é possível que esses conflitos não tenham aparecido nos anos anteriores porque quem se manifestava podia sofrer represálias. Hoje, além de buscar soluções para os conflitos, a gente ouve os movimentos socais e isso está previsto na Constituição, que o gestor público tem que dialogar com os beneficiários de suas políticas – observou. 

A declaração do novo presidente do Incra demarca uma divisão que existe, pelo menos, desde a década de 1980 no país. É o que sustenta o deputado federal gaúcho e integrante da bancada ruralista no Congresso, Alceu Moreira (MDB). O parlamentar considera que, atualmente, o MST não tem legitimidade e defende que o aumento das invasões em 2023 explica-se pela ligação do movimento com o Partido dos Trabalhadores.

— A pauta é retrógrada e vai transformar a insegurança jurídica em uma redução da nossa capacidade produtiva, além de demandar ações do Ministério Público e das forças de segurança. Se esse governo quer dar terra, que as compre e faça, mas o interesse não é escriturar as áreas, é manter o movimento como massa de manobra, porque um agricultor com vocação produtiva não está disposto a perambular com sua família por rodovias, buscando um pedaço de terra. Na sua essência social, ele tem uma comunidade, uma paróquia, e só o que quer é poder produzir — argumenta.

Para Moreira, outra vez contrariando o presidente do Incra, as ocupações e os conflitos devem ser tratados pelas forças de segurança, pois o “direito à propriedade é cláusula pétrea da Constituição”. Ele também lembra que o governador Eduardo Leite declarou no final de março que “qualquer invasão terá a resposta imediata do governo do Estado”.

Fonte: GaúchaZH

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