segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Caçapava registra 16 casos de abuso sexual contra crianças em um ano

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Por William Brasil
“Não, não será com métrica/ nem com rima/ Uma coisa sem nome violentou uma menina/ Ação barata/sem a prata/ do pensamento/o ouro do sentimento/o dia da empatia. Noite.” O poema acima, de Celso Gutfriend, produzido para o documentário Canto de Cicatriz, da gaúcha Laís Chafe, em 2005, 10 anos depois, se faz presente. E transforma em noite, a reportagem a seguir.
A violência sexual infantil ocorre quando o agressor, por meio da força física ameaça ou seduz crianças ou adolescentes para a própria satisfação sexual. E Canto de Cicatriz retrata as duas principais formas de violência sexual sofridas por meninas na infância: o abuso e a exploração sexual comercial.
Segundo dados do site Disque 100, que é um serviço mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes das denúncias recebidas.
De acordo com o Conselho Tutelar de Caçapava, de agosto de 2014 a agosto de 2015 foram registrados 16 casos de abuso sexual infantil no município. Cinco deles só neste ano.
Nos três primeiros meses de 2015 o Disque 100 registrou 4.480 casos de violência sexual, das mais de 20 mil denúncias recebidas e que envolvem a violação de direitos da população infantojuvenil.
Em relação ao perfil, 45% das vítimas eram meninas e 20% tinham entre quatro e sete anos. Em mais da metade dos casos (58%), o pai e a mãe são os principais suspeitos das agressões, que ocorrem principalmente na casa da vítima.

Caçapava registra 16 casos em um ano

“Uma coisa/ Não era o lobo/nem o ogro nem a bruxa,/era a fúria do real/sem o carinho do símbolo”
Segundo Claudia Fernandes, responsável pelo Conselho tutelar de Caçapava, os registros são de crianças de 03 anos até 14 anos. Um deles, inclusive, de um possível estupro coletivo. E quase todos os casos de estupros estão relacionados com familiares próximos.
“Pais, padrastos, tios, avôs, bisavôs, irmãos e amigos da família ou vizinhos são os principais acusados nos casos da cidade”, disse Cláudia. A conselheira alertou que os casos chegam ao Conselho Tutelar, na maioria das vezes, através da escola e que geralmente a família é conivente:
“A escola nos encaminha as crianças que apresentam desvios de comportamento. Nós realizamos uma oitiva, com auxílio de psicólogos, e muitas vezes chegamos ao problema; que é a descoberta de que a criança sofre abuso”, informou.
Ao constatar a suspeita, o Conselho tutelar vai até a casa da criança, com ordem judicial, para que se realize exames que constatem o abuso. “Nós não estamos preparadas 100%, mas mesmo assim realizamos uma oitiva, que é o primeiro contato com a criança abusada. Depois que constatamos, denunciamos à Polícia Civil, que fica encarregada do exame corporal e de abrir inquérito contra o acusado”, disse Cláudia.

“Stop, a poesia parou.

Ou foi a humanidade?”

De todos os casos no município, somente em um deles o acusado foi preso, informou a conselheira. “Neste caso o padrasto, de um menino de 8 anos, violentou o garoto e, de acordo com uma testemunha, a mãe sabia. Ela teria dito que ‘liberava o menino para o marido’, já que ela tinha recém-ganhado o bebê e não podia satisfazer o marido”, contou Cláudia.
Outro caso que deixou a conselheira perplexa foi o último registrado na cidade, há pouco mais de três semanas, quando o Conselho, através do Disque 100, chegou na residência e foi recebido por uma menina de quatro anos, que havia sofrido abuso pelo padrasto: “Tinha acabado de acontecer a criança ainda estava com esperma do acusado pelo corpo e ela relatou  com precisão e detalhe o abuso”. O caso foi encaminhado à Polícia Civil, que expediu mandato de prisão, mas, segundo informações, ele estaria foragido.
Dentre os casos, há também o de um garoto, de 10 anos, suspeito de ter abusado da irmã, de 04 anos. “Tomamos conhecimento através da escola também e descobrimos que o menino só está repetindo o que via a mãe fazer e porque ele também sofreu abuso de outro menino”, fala Claudia.
Dentre as denúncias, trem, ainda, o de uma menina de 14 anos que teria sido abusada por outros seis homens, alguns menores de idades, outros acima de 18. “A menina, está confusa em seu depoimento, talvez por medo, pressão, assim como acontece com a maioria das vítimas. Ela fala que deixou eles a levarem até uma construção e consumirem o ato, mas a gente suspeita de que ela tem medo de falar a verdade”, diz a conselheira.
Dos 16 casos registrados, tem três irmãos, de 04, 10 e 14 anos que sofriam abuso do avô.  Outros dois de 10 e 04 anos que eram abusados também pelo avô. Três irmãos de 11,13 e 14 anos que sofriam abusos pelo pai, inclusive estão em tratamento psicológico. Uma criança de 02 anos, abusada pelo pai (e que a mãe nega). Outra de 03 anos abusada pelo vizinho (e que contraiu DST). Mais uma de 12, de 04 e 08 anos, abusadas cada uma pelos seus respectivos padrastos e, por fim, uma de 06 9abusada pelo namorado da mãe) e outra de 14 abusadas pelo pai.
Claudia alega que apesar dos registros de denúncia, e da dificuldade em dar flagrante, ou mesmo por proteção da família, que não quer registrar os casos, a situação no município deve ser mais grave do que os índices apresentados pelo conselho.
Assim com diz a personagem Alice, de Alice Jasmieson, do livro Hoje eu sou Alice, e que traz a história real da escritora, que sofreu abuso na infância pelo próprio pai e que traz relatos chocante e narrativa perturbadora do que viveu, tendo desenvolvido esquizofrenia e transtorno de personalidades múltiplas, para as crianças vítimas de abuso sexual, “o passado ganha uma apar~encia melhor, quando somos capazes de mentir para nós mesmos”.
E diferentemente da Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, estas histórias, estão longe de um livro de fábulas e retratam a triste realidade de crianças que não tem vez, nem voz para gritarem por socorro.
A coisa (homem?) é punida como um lobo /no conto de verdade. E imprime-se um nome na ignomínia./ A menina liberta expressa/ ri e chora, volta a ser/ qualquer (única) menina./ Pronta para a métrica/ pronta para a rima/ pronta para a vida/ (canto de cicatriz),/ pronta para/ o amor a dois,/à espera, suave, escolhido.

Fonte: Gazeta de Caçapava

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